Créditos da foto: Roberto Stuckert Filho/PR
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O papa Francisco vai recomeçar sua peregrinação pelo mundo. Este mês ele visita Cuba (de 19 a 22 de setembro) e depois parte para Nova York para a Assembleia Geral da ONU (de 22 a 28 de setembro), levando a mensagem de um chefe de Estado, o Vaticano, mas também de chefe da Igreja católica, que congrega mais de um bilhão e duzentos milhões de pessoas no mundo. Considerado pelo diretor de redação do jornal Libération, Laurent Joffrin, como « o chefe de Estado mais à esquerda de todo o planeta », o papa surpreende a cada nova fala ou entrevista.
A chegada aos Estados Unidos procedente de Cuba é por si só um acontecimento político, que se insere na nova fase de degelo das relações cubano-americanas. Não se deve esquecer que o Vaticano foi um importante intermediário nas negociações de aproximação entre Washington e Havana.
Na capital americana, Francisco será o primeiro papa a falar no Congresso Americano. Esse discurso é muito aguardado por analistas politicos pois as posições « esquerdistas » do ex-cardeal Jorge Bergoglio têm irritado profundamente a direita republicana dos EUA. No memorial onde ficavam as torres gêmeas que desabaram no 11 de setembro, o papa terá um encontro interreligioso sumamente importante no qual denunciará o uso de Deus para a violência e as guerras.
Em Lampeduza, apelo pelos refugiados
Francisco deu a primeira prova de que estava sintonizado com seu tempo e com a mensagem do Evangelho, que prega o amor ao próximo, ao escolher como destino da primeira viagem de seu pontificado a Ilha italiana de Lampeduza. Essa ilha atraía a atenção mundial naquele mês de julho de 2013 pelo grande afluxo de imigrantes vindos da África e do Oriente Médio em embarcações precárias. Muitos já haviam perecido no Mediterrâneo, que se tornou um grande cemitério para os que fugiam às guerras ou à fome tentando alcançar a costa da Sicília ou de Lampeduza para entrar na Europa.
Na ocasião, o papa jogou ao mar uma coroa de flores lembrando os migrantes mortos naquele que os antigos chamavam Mare Nostrum. Em seguida falou da responsabilidade de todos « pela vida dos mortos no mar, nesses barcos que em vez de ser um caminho de esperança são um caminho de morte ». Francisco rogou a todos que agissem para que aquilo não se repetisse.
Começava em grande estilo o pontificado daquele que se chamou Francisco em homenagem ao « poverello » de Assis, precursor da ecologia que reconhece os seres humanos como parte integrante da mãe natureza a ser respeitada e protegida.
O pedido do papa não impediu, no entanto, que a maior catástrofe humanitária dos últimos anos continuasse a acontecer diante de uma Europa, que se mostra incapaz, por falta de determinação e vontade política, de acolher dignamente tantos exilados.
Em quase todos os seus pronunciamentos feitos nesses dois anos de pontificado, o papa Francisco criticou a globalização que produz miséria e aprofunda as desigualdades, a violência e as guerras, responsáveis pela crise humanitaria que a Europa vive hoje. O presidente de Cuba, Raul Castro declarou em maio deste ano : « Se o papa Francisco continuar nessa linha, eu volto à igreja ».
Um papa marxista?
Em junho deste ano, ele publicou Laudato si’, na qual convida a todos a um novo diálogo sobre a maneira como construímos o futuro do planeta. Era a primeira vez que um papa dedicava uma encíclica à ecologia. Nela, o digno sucessor de Francisco de Assis alertava para a urgência de salvar o planeta da destruição causada pela exploração desenfreada de todos os recursos naturais e pelos excessos que destroem o meio ambiente e ameaçam a vida de milhões de pessoas no mundo inteiro.
O apelo por uma « ecojustiça » irritou os liberais e conservadores. A retórica do papa foi considerada « marxista », « pro-socialista » e até mesmo « anarquista ». A encíclica agradou aos ecologistas mas desagradou aos republicanos americanos que prefeririam que o papa continuasse a tratar apenas de problemas morais e religiosos.
O republicano católico Rick Santorum, candidato às primárias de seu partido na eleição presidencial de 2016, declarou em entrevista que « o papa não deveria falar sobre o aquecimento global mas deixar a ciência aos cientistas e tratar de teologia e de moral ».
Entre os cientistas e ecologistas engajados na defesa do meio ambiente o papa foi saudado como o porta-voz de uma causa que vai polarizar a atenção de todo o mundo em dezembro, em Paris, onde se realizará a Conferência Internacional sobre o Clima, a COP21.
Nos EUA, os que negam até hoje o aquecimento global e a ação do homem nas mudanças climáticas, chamados em francês de climato-céticos, são contra as leis para reduzir os gazes de efeito estufa pois alegam que isso pode prejudicar o crescimento. Os americanos que militam contra o aborto temem que no futuro o crescimento demográfico do planeta possa vir a ser controlado a partir do controle de nascimentos.
Como de hábito, a viagem papal aos Estados Unidos será uma oportunidade para Francisco falar aos excluídos e aos mais pobres : ele irá ao encontro dos sem-teto em Washington, de famílias de imigrantes no Harlem, em Nova York, e de detidos na Philadelphia.
A visita papal dará aos excluídos da primeira economia mundial uma visibilidade planetária. Graças a Francisco, a mídia do mundo inteiro vai expor a miséria social do capitalismo global triunfante.
*Leneide Duarte-Plon é jornalista, trabalha em Paris e é co-autora, com Clarisse Meireles, da biografia de frei Tito de Alencar, Um homem torturado-Nos passos de frei Tito de Alencar.